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PASTINHA E BIMBA: CONHEÇA AS HISTÓRIAS DOS GRANDES MESTRES DA BAHIA


Foto Pastinha: Acervo Fundação Zumbi dos Palmares; Foto Bimba: Acervo/Filhos de Bimba Escola de Capoeira


A origem da palavra capoeira ainda é fruto de disputa entre correntes, pensadores, linguistas e mestres. As versões mais aceitas dão conta de que ela vem de uma palavra congolesa que descreve ações como dar piruetas e lutar. Essa mesma palavra serve para fazer referência aos movimentos de um galo na rinha.


A Bahia, no entanto, tem seu axé próprio e deu vida a dois homens que se confundem com o significado de capoeira. Por aqui, não é errado dizer que ela significa Mestre Bimba e Mestre Pastinha, dois dos maiores nomes da luta que também é arte, resistência, música e tantas outras coisas.

Cada um deles é dono de sua própria história, estilo e modo de vida. No entanto, a capoeira faz com que as trajetórias desses dois homens, nascidos com 10 anos de diferença entre si, acabem se entrelaçando. E mesmo hoje, depois de 41 e 48 anos, respectivamente, das mortes de Pastinha e de Bimba, eles seguem inspirando gerações de capoeiristas ao redor do mundo.anos de diferença entre si, acabem se entrelaçando. E mesmo hoje, depois de 41 e 48 anos, respectivamente, das mortes de Pastinha e de Bimba, eles seguem inspirando gerações de capoeiristas ao redor do mundo.


Comecemos por Mestre Bimba. Nascido Manoel dos Reis Machado, no dia 23 de novembro de 1899, ganhou o apelido antes mesmo de se entender como gente. Sua mãe, dona Maria Martinha do Bonfim, apostava com a parteira que daria luz a uma menina. Depois que pariu, ouviu a exclamação da parteira: "é menino! Olha aqui a bimba dele!". , ganhou o apelido antes mesmo de se entender como gente. Sua mãe, dona Maria Martinha do Bonfim, apostava com a parteira que daria luz a uma menina. Depois que pariu, ouviu a exclamação da parteira: "é menino! Olha aqui a bimba dele!".


A surpresa para sua mãe ao nascer não foi a única de Bimba ao longo de seus 74 anos de vida. Ele era um homem surpreendente, como descreve o Mestre Cabeludo, fundador do Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra e discípulo de um homem importante na vida de Bimba: seu aluno Mestre Vermelho 27. Guarde esse nome, ele ainda vai voltar a aparecer na reportagem.


Bimba não teve acesso ao ensino formal. Um homem negro, com mais de 1,90m, uma figura imponente. Cheio de ginga, ma roda e na vida.


"Enquanto aprendia capoeira, trabalhava para ajudar em casa, onde era caçula de 25 irmãos. Foi garimpeiro, carpinteiro, almoxarife, estivador... Não negava trabalho. E era muito inteligente, tanto que fez o que fez", conta Mestre Cabeludo.

O que ele fez foi ser determinante para descriminalizar a capoeira no Brasil. Usou a cabeça para tanto. A capoeira angola entrou em sua vida logo aos 12 anos. Aos 18, já dava aula e iniciava a criação de uma metodologia que, não é exagero dizer, criou uma nova capoeira, a que ficou conhecida como regional.


O professor, angoleiro na origem, usou os conhecimentos de seu pai, Luiz Cândido Machado, um grande lutador de batuque, e misturou com a capoeira Angola.


"Ele construiu uma metodologia. De ensino, de aprendizado e também de comportamento. Por saber como a capoeira era vista, ele tinha regras muito rígidas e todo esse conjunto é o que significa a regional", explica Mestre Cabeludo.

Essa metodologia consistia em aulas em espaço fechado, especializações, lições, nomenclaturas, classificação dos movimentos e formas de treinamento. Uma verdadeira pedagogia, com métodos diferentes do que se praticava com a Angola até então, que muito se aprendia de oitiva, com observação, como o Mestre Cabeludo explica. Essa era a Luta Regional Baiana. Hoje, simplesmente Capoeira Regional.


"Ele não podia dar o nome de capoeira porque era proibido na época, estava no Código Penal. Capoeira era vadiagem, algo que era proibido. Ainda assim, Bimba conseguiu fazer apresentações para o governador Juracy Magalhães, desfilou com seus alunos no cortejo do 2 de Julho. Chegou até a se apresentar para o presidente Getúlio Vargas", conta Cabeludo.

Além disso, Bimba também regrou o comportamento necessário para quem praticava a então Luta Regional Baiana, criou a própria charanga, espécie de orquestra que regia o jogo, com um berimbau e dois pandeiros. Eles são acompanhados pelas palmas: duas colcheias e uma semínima. Um, dois, três. Um, dois, três.


O canto também foi regrado: quatro versos (chamados de quadra) e dois versos repetidos em sequência, os corridos. Um jogador de regional também tinha condutas éticas, comportamentais e morais rígidas.


"E ele suspendia a corda de quem não cumpria. É como eu faço até hoje", contou Mestre Cabeludo, apontando para as cordas que suspendeu em sua Academia, nos Barris. A maioria por pouca frequência

Um jogador de regional precisava usar uniformes brancos e limpos, com lenços coloridos que indicavam sua graduação. Não podiam fumar, nem consumir bebida alcoólica. Entre tantas outras regras.


Essa metodologia atraiu muitas pessoas para o Centro de Cultura Física e Regional. Os principais polos ficavam no Nordeste de Amaralina e na Rua das Laranjeiras, no Terreiro de Jesus. Essa reputação fez com que Bimba começasse a se destacar publicamente. Aos poucos, a Luta Regional foi virando capoeira regional. Com jogo de cintura, Bimba foi fundamental para a derrubada da proibição à capoeira.


Atuando no Centro Cultural Ganga Zumba, o Contramestre Marcelo conta que Bimba viveu por muito tempo no Vale das Pedrinhas, que fica no Nordeste de Amaralina. O Mestre de Marcelo, Boa Gente, é outro discípulo de Mestre Vermelho 27.


"Quando fazemos esse tipo de conexão, conseguimos ver o tamanho do legado que o trabalho de Mestre Bimba deixou", conta o contramestre.

Nem tudo são flores, no entanto. Apesar do sucesso, de aparecer em jornais, de ser o principal nome para a profissionalização e liberação da capoeira e até caminhar em círculos de poder, Mestre Bimba não se sentia valorizado pelas autoridades e enfrentou dificuldades para manter seus projetos de pé.


"A sua vida foi repleta de sucesso e decepção", resume Mestre Nenel, filho de Bimba, em texto que assina para o site da Filhos de Bimba Escola de Capoeira.

Mestre Nenel - Foto: Marina Silva (Correio)

Bimba vendeu sua Academia para o Mestre Vermelho 27, um dos poucos capoeiristas com condições de fazer uma movimentação financeira desse tipo, e partiu para Goiás no início dos anos 1970. Não viveu muito mais tempo depois disso e morreu em 1974, talvez em consequência do banzo [tristeza] do qual sofria.


Pastinha, o filósofo


Vicente Ferreira Pastinha era 10 anos mais velho do que Bimba. No entanto, como conta o Mestre Balão, do CTE Capoeiragem, só começou a ter notoriedade no início dos anos 1940. Ele era mestre de Capoeira Angola.


"Pastinha começou a jogar capoeira a convite de um velho que o via apanhando de um outro menino. Ele disse: 'menino, venha cá'. E começou a ensinar a capoeira", conta o mestre. Esse homem era o Mestre Benedito [africano que vivia no Centro Histórico de Salvador, onde Pastinha vivia quando era criança]. O próprio Pastinha dizia que desde então nunca mais apanhou.


"Mestre Pastinha trabalhou na Marinha, era um homem muito culto. Ele era um homem muito inteligente, de letra cursiva bonita. Uma espécie de contraponto a Bimba porque era uma pessoa mais tranquila, um verdadeiro filósofo. Escreveu livros sobre a capoeira Angola, também tinha muitos métodos", explica Mestre Balão.

A biografia do mestre Pastinha no site da Fundação Palmares registra que ainda criança ele também frequentava o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, onde aprendeu pintura, entre outras coisas. Em 1902 foi quando ele entrou para a escola de aprendizes marinheiros, onde fiicou pór oito anos. Na Marinha, praticou esgrima, com espada e florete, e estudou música, aprendeu violão. Ao mesmo tempo, ele ensinava capoeira aos seus companheiros de farda.


Em 1910, então contando 21 anos, Pastinha pediu baixa da Marinha. De lá já saiu mestre de capoeira, mas as aula eram ministradas às escondidas, dentro de sua própria casa, por conta da proibição no Código Penal, a mesma que ainda figurava nos tempos em que o Mestre Bimba criou a capoeira regional com outro nome.


Entre 1913 e 1934, mestre Pastinha teve de parar de ensinar capoeira por conta da repressão policial. Para viver, nesse período, trabalhou de pintor, pedreiro, entregador de jornais e tomou conta de uma casa de jogos. A partir dos anos 1940 é que ele volta a ensinar a luta ancestral.


"A capoeira é mandinga, manha, malícia, tudo que a boca come", explicava Mestre Pastinha, orgulhoso. Nascido uma década antes, ele morreu quase 10 anos depois de Bimba, em 1981, aos 92 anos.

Numa época em que a Capoeira Regional era mais popularizada, Pastinha e seus escritos foram importantes para dar continuidade à chamada capoeira tradicional. Mestre da Escola Guriatá, no Subúrbio Ferroviário, Tubarão explica que, diferente da Regional, a Angola tem ritmo mais cadenciado e é jogada mais próxima do chão.


"Para você ver, Bimba conseguiu construir a primeira escola em 1928, ainda chamada Academia Regional. A primeira escola de Capoeira Angola legalizada pelo governo foi só em 1941. Era chamada de Ceca (Centro Esportivo de Capoeira Angola)", diz Tubarão, explicando que Pastinha tinha um ritmo mais de filósofo. Emquanto Bimba era guerreiro.

Trinta anos depois da inauguração da Ceca, Pastinha e discípulos foram expulsos do casarão onde funcionava a escola, no Cruzeiro de São Francisco. A explicação dada pelo governo da época, em plena ditadura militar, era que seria uma reforma no prédio. Mas nunca devolveram o imóvel.


Na ocasião, Mestre Pastinha já enfrentava uma catarata avançada e não tinha auxílio médico. Sofreu o segundo derrame logo depois da expulsão e passou os últimos anos de vida com a saúde debilitada, cego e esquecido.


Morreu após entrar num quadro grave de depressão. Por anos, morou num quarto sem condições adequadas no Pelourinho até que, em seus últimos anos, esteve no Asilo Dom Pedro II, localizado na Cidade Baixa, onde falece.

Para o Contramestre Da Mata, a maneira como os dois morreram - um em consequência de banzo e o outro após anos de debilidade, sem a assistência devida, mostra as dificuldades para o enfrentamento do racismo e como a obra deixada por ambos é surpreendente. “Eles eram pessoas reconhecidas, prestavam um serviço gigantesco para um número gigantesco de pessoas e mesmo assim morreram abandonados. É algo que só o racismo explica”.




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