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MALÊ DEBALÊ, O BLOCO AFRO DE ITAPUÃ



Na Itapuã de 1814, escravizados africanos islamizados, os chamados hauçás, empunharam armas e espadas, destruindo armações pesqueiras, invadindo casas e atacando os senhores de engenho, em um levante que só chegou ao fim no local onde hoje é o município de Lauro de Freitas, às margens do Rio Joanes.


Após a revolta, combatida pelas tropas de Garcia D’Ávila, os hauçás foram duramente perseguidos – o que não impediu que uma outra rede de africanos islamizados conspirassem um novo movimento, dessa vez no centro da cidade de Salvador. Foi esse contexto que configurou, em 1835, o Levante dos Malês, considerada uma das mais importantes revoltas negras do Brasil.


“Eu costumo dizer que a Revolta dos Malês tem um movimento precursor, que é aqui em Itapuã”, afirma Carlos Eduardo Carvalho, vice-presidente do bloco afro Malê Debalê, que leva no nome a referência aos protagonistas do levante.

Segundo ele, na década de 70, muitos jovens do centro da cidade foram morar em Itapuã e do encontro com os nativos do bairro, surgiu, em 23 de março de 1979, o bloco Malê Debalê. Inicialmente, o nome sugerido foi “Os Malês”, em referência ao importante fato histórico ocorrido em Salvador em 1835.


“Os fundadores achavam que ficava faltando um segundo nome que deixasse mais sonoro. Então, eles foram para um ensaio de um outro bloco da época, chamado Badauê. Uma das canções cantadas tinha como refrão as palavras ‘debale, debalê’. E aí eles tiveram a ideia de juntar: Malê Debalê. Até hoje, muita gente tem dificuldade e pensa que é “De Balê”, separado, e não é. É junto. Também não tem a ver com balé, nem com Iansã Balé. É só Debalê”, explica Carlos Eduardo, ressaltando que hoje a palavra foi ressignificada para um sentido de positividade, alegria e axé.

Segundo ele, não há como falar do Malê sem falar de Itapuã. O bairro, cheio de características próprias e que mais parece uma cidade dentro da cidade de Salvador, é o berço do bloco que nasceu com o intuito de falar de África, mas também levar a comunidade “itapuãzeira” para o carnaval do centro.


Os primeiros ensaios eram realizados às margens da Lagoa do Abaeté, que também serviu de fornecedora de matéria prima para fantasias e indumentárias. Integrantes vinculados a terreiros de candomblé locais levaram para a avenida a beleza e experiência da dança afro em alas dedicadas somente à coreografia – em 1996, o bloco recebeu do jornal americano The New York Times o título de “O maior balé afro do mundo”.


“A logomarca do Malê tem uma mulher negra com a roupa amarela, que é uma representação da Lagoa do Abaeté, da lagoa de Oxum, além de peixes, búzios, a lua e o sol, vinculados à questão do mar, da praia. Então, quando o bloco surge, ele chega intimamente vinculado com o que é Itapuã. Por isso que eu digo que se você não entender Itapuã, você não entende o Malê”, reforça Carlos.

Se hoje é vice-presidente, Carlos Eduardo começou como folião – e morando em Pernambués. Em 1994, caminhava pelo Abaeté, viu o bloco tocando e, segundo conta, foi paixão à primeira vista. “Eu sou meio que um ‘iniciado’. Comecei como folião, aí depois vim ser professor, coordenador, diretor de educação e hoje sou o vice-presidente do bloco e gestor do centro cultural. Minha formação é pedagogia, trabalho no campo da educação”, relembra.


No que diz respeito à educação, o bloco vai além do carnaval. Em 2002, foi criado o projeto pedagógico Malêzinho para atender a crianças e jovens de até 16 anos, matriculados regularmente em escolas, por meio de oficinas de dança e percussão, acompanhamento pedagógico, atendimento aos pais e participação nos desfiles de carnaval, em Itapuã, no domingo da folia. Como desdobramento do projeto, em 2006, foi inaugurada a Escola Municipal Malê Debalê, destinada a Educação Infantil e Ensino Fundamental, atendendo crianças de três aos oito anos.


“O carnaval é a culminância de uma ação que começa na escolha do tema, desenrola-se nos seminários preparatórios e se transforma em alegorias, músicas e ritmos. Depois que passa, as indumentárias, músicas e imagens que foram levadas para a avenida vão servir de conteúdo pedagógico para a escola. E aí vem a formação dos professores, o porquê do tema, etc. O Malê para mim, hoje, passa a representar não só um bloco de carnaval, mas um espaço de formação, interação com a comunidade e resistência”, completa o vice-presidente.


Relação com o islamismo


A palavra “Malê” no nome faz algumas pessoas ligadas ao islamismo ou mesmo as mais curiosas sobre o tema perguntarem constantemente se o bloco possui elementos da cultura islâmica. De fato, diz Carlos, ainda há muito a explorar e conta um fato curioso. Após os ataques às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, no dia 11 de setembro de 2001, um repórter da Globo foi até a sede do bloco perguntar se o Malê tinha alguma relação com os árabes. Ao que Josélio de Araújo, membro fundador, respondeu: “Não sei. Só se Bin Laden tiver se escondido aí”.



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