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'LÁ ELE': ENTENDA A ORIGEM E SIGNIFICADO DA GÍRIA BAIANA QUE SE POPULARIZOU NO BRASIL


Foto: Reprodução / Redes Sociais / @zearaujox


Expressão tem gerado dúvidas até entre baianos; saiba como usar corretamente


Um negócio dos baianos penetrou os brasileiros – lá ele. Antes restrita ao vocábulo regional, a gíria ultrapassou divisas e conquistou adeptos em todo o Brasil, incluindo famosos, como o atacante paulista Rodrygo, que atua no Real Madrid. O problema é que, por integrar a norma culta do baianês, o termo deixou os novos falantes em dúvida quanto ao real significado. Iniciado o debate, o caso mostrou-se mais grave do que o imaginado: até os nativos estão divergindo.


“Na Bahia, se usa o ‘lá ela(e)’ quando se refere a algo ruim que aconteceu com outra pessoa e não se quer que aconteça conosco. Pode ser substituído por ‘Deus é mais’. Parem de usar em outras situações, não faz o menor sentido e incomoda os falantes nativos”, explicou uma baiana no Twitter.

Em sua argumentação, a internauta tentou ser porta-voz de todos os conterrâneos, mas o que realmente incomodou os falantes nativos foi a sua definição dada à gíria. Principalmente por colocar “lá ela” e “lá ele” no mesmo barco.


“Na verdade, eu vou te explicar”, iniciou outro tuiteiro que ostenta uma camiseta do Bahia na foto de perfil. “Usa-se ‘lá ele’ em situações de duplo sentido. Denota abnegação, ou simplesmente a negação de algo que possa parecer constrangedor aos olhos do baiano durante um diálogo entre amigos, ou até mesmo no cotidiano”, versou o tricolor.

Ou seja: “lá ele” seria simplesmente um antídoto ou mecanismo de defesa contra qualquer deslize, ou piada de cunho sexual. “Já ‘lá ela’ é um sinônimo de ‘desgraça’”, completa outro usuário.


Estabelecido o impasse, convocamos um juiz imparcial, e carioca (calma), para resolver a questão. Engenheiro de formação, Nivaldo Lariú mora na Bahia há décadas e é autor do “Dicionário de Baianês”.


O veredicto trazido por ele se assemelha à definição apresentada pelo rapaz com a camisa do Bahia.


“Lá ele, na Bahia, é um curinga usado em defesa contra essas ousadias”, explica.

Seguindo a explicação, o carioca radicado na Bahia argumenta que o “lá ele” é, na verdade, um sintoma de um eterno estado de “5ª série” com o qual o baiano convive.


“Essas piadas e pegadinhas de duplo sentido, sempre com cunho sexual, é típica do baiano e do baianês. Muitas vezes essas puias [brincadeiras] são de mau gosto, mas mostram a criatividade que o baiano tem com o uso da língua portuguesa”, elogia Nivaldo.

Sair de situações assim é assunto tão sério para o baiano que até o idioma sofreu alterações. Palavras oxítonas terminadas com “u”, como “umbu, caju e bambu”, só podem ser pronunciadas seguramente após o acréscimo do sufixo “ivis”, virando “umbivis, cajivis e bambivis”.


Até nomes foram mudados, como o caso do jovem apelidado “Baiacu” que, ao tornar-se futebolista, virou “Baiaco” para evitar que os cânticos ofensivos entoados pelas torcidas adversárias tivessem rima.


Aliás, esse atleta, um dos maiores ídolos da história do Bahia, atuou entre os anos 50 e 70, mostrando que esse cuidado especial acompanha o baiano há muitas décadas.

A afeição a jogos de palavras com duplo sentido está entranhada até na música. Enquanto os funks cariocas e paulistas usam uma linguagem mais ‘direta’, os poetas e compositores baianos preferem refrões como ‘foge com a Mulher Maravilha’ e ‘eu sou o lobo mau e vou te comer’.


Lá ele na prática


Caso a dúvida ainda persista, eis alguns exemplos para esclarecimento:


“Minha bola não entrou, mas outras duas entraram”, disse o lateral Danilo em entrevista à ESPN após o jogo contra a Sérvia.

Sorte que ele está no Catar, pois se essa declaração fosse dada na Bahia, ele não passaria ileso. Típico caso de ‘lá ele’.


Agora, usando uma abordagem mais local. Se der um rolé (com acento agudo, em bom baianês) naquele bairro próximo ao IAPI, jamais diga que está no Pau Miúdo, muito menos que está gostando.


Em situações sem ousadia aparente, apenas como substituto de um ‘Deus é mais’, o ‘lá ele’ até que está correto, porém em situação de desuso. A melhor resposta para afirmações como “sonhei que você sofria um acidente de carro” são as infalíveis três batidas na madeira.

Esclarecida essa dúvida, outro mistério surge: qual a origem da gíria? Aí o campo fica mais nebuloso. ‘Lá ele’ provavelmente é uma redução de “lá nele”, mas nem isso pode ser afirmado com certeza. Já sobre quando, como e onde o termo teria aparecido e se popularizado, uma resposta precisa é quase impossível.


“A língua é uma coisa viva, e as gírias ainda mais. Elas têm uma origem difusa no popular. É coisa de um bairro, de uma galera, que acaba se propagando por aí”, explica Nivaldo Lariú.


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