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VINICIUS: UMA VIDA EM ITAPUÃ

Atualizado: 29 de dez. de 2021


Quando surgiram os primeiros rabiscos do convite de inauguração do Principado Livre e Autônomo de Itapuã, a frente da casa ainda tinha contato com a areia branca da praia e indicava o caminho ao mar. Mais à direita, o farol vermelho e branco sinalizava as direções que tomariam os pescadores noturnos que tiravam das águas salgadas o sustento das famílias que viviam na pitoresca vila. Visitar Itapuã, partindo do centro da cidade de Salvador, era como realizar uma curta viagem, e a lagoa do Abaeté parecia não ter fim.


Era início dos anos 70 e o autodenominado Príncipe Consorte, o poeta carioca Vinicius de Moraes, acabara de casar-se com a atriz baiana Gessy Gesse, sua sétima esposa. Mudou-se deixando tudo para trás para viver uma mística história de amor. Naquela casa, moraria aproximadamente sete anos e nos deixaria uma vasta memória musical de sentimentos e histórias preservadas além do tempo.


Foi nos anos 2000 que Renata Proserpio e família assinaram os papéis de compra da antiga morada de Vinicius e Gessy. Mantendo sua arquitetura original, mas já sem objetos que caracterizavam a vida do casal na sua passagem pelo lugar, a casa sofrera intervenções de antecessores inquilinos, mas não perdeu sua memória: ali morara um dos nomes mais expressivos da música popular brasileira. A construção chamava atenção da família, que, em posse do terreno vizinho desde 1992, construiu um hotel para os turistas que chegam para desfrutar Itapuã. Renata, nascida em São Paulo, conhecia a Bahia através das músicas do poeta. Casou com um baiano e apaixonou-se pela dinâmica do bairro, embalada pelos versos de “Tarde em Itapuã”.


Nas mãos da família, a casa ficou quase intacta durante quinze anos. Servia como anexo ao hotel, com espaço para café da manhã e aluguel de quartos. Quando muito, discos e livros eram expostos, indicando a presença do artista. Turistas interessados visitavam o lugar, que ainda não tinha sinais de memorial.


Foi então que a arte do encontro aconteceu. De mudança para um apartamento, durante a reforma da casa onde vivia, a família Proserpio se descobriu vizinha de alguém especial, parte fundamental daquela história. Era Gessy, a Morena Flor. Os anos corriam e uma amizade se estabelecia ao passar do tempo. Com Renata, a atriz fez sua primeira visita à sua antiga casa depois de anos. Na ocasião, contou casos e mais casos que ocorreram ali, como as vezes em que Vinicius ficava na sua banheira, com vista para o mar, conversando com Toquinho sobre os mais variados assuntos.


Juntas, Renata e Gessy organizaram a obra “Minha Vida com o Poeta”, de Gessy Gesse, lançado em 2013. As 240 páginas do livro contam detalhes da vida a dois ao lado do compositor, naquele território sempre muito visitado por artistas e amigos do casal.


Enquanto organizava a obra, ainda antes de seu lançamento, Renata detinha em casa os documentos originais conservados pela atriz. Cartas, letras de músicas, fotos e outras lembranças que foram acessadas no intuito de ilustrar o conteúdo do livro. Certo dia, em busca de documentos pessoais, Luisa Proserpio, filha de Renata, se deparou por acaso com o acervo inédito.


“Quando me dei conta que estava com aquilo em mãos, entendi que precisávamos fazer algo na casa”, conta. Foi assim que surgiu a Casa di Vina, em 2015, um restaurante de comida mediterrânea e baiana, com um memorial em homenagem ao casal.

De volta ao ninho de amor

No mezanino, a ambientação nos remete aos anos 70, tornando a experiência um tanto mais real. Para o fã do poeta, cabe a sensação de que a qualquer momento ele vai aparecer e convidá-lo para uma dose de uísque, que, como ele uma vez determinou, é o “melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado”. Peças de roupas, recortes de jornais, fotografias, documentos, letras de músicas e até a máquina de escrever – esta original do artista e cedida por Gessy -, tornam o momento da visita especial.



“A ideia foi fazer desse espaço algo diferente, para além de um museu. Um lugar onde as pessoas possam estar e, de fato, aproveitar. Uma oportunidade de entrar em contato com essa magia”, define Luisa, que é atriz e organiza uma espécie de sarau no espaço.

No jardim da casa, em frente à piscina preservada no seu modelo original, é possível escutar o barulho do mar e de pássaros que vagam no céu durante a nossa conversa. Na mureta que separa a casa do passeio, letras de músicas que fizeram sucesso nacional e internacionalmente.


O ambiente em que viveu Vinicius era cercado de animais. Certa feita, contou Edu Lobo, Vinicius – que criava na casa um pato, um cão, um gato e um pavão -, lhe questionou:


“Olha, Edu, passo o dia aqui, olhando para esses animais, e sabe que já aprendi muito mais com eles do que em todos os meus anos de Itamaraty?”.

O humor rápido e a facilidade de traduzir sentimentos eram marcas constantes em tudo que fazia e falava.

O lugar onde era o quarto do casal, virou uma suíte para hóspedes do hotel da família. Lá é possível se aconchegar diante da brisa do mar e tomar um banho na famosa banheira, hoje reformada. A vista é a mesma que apreciava o poeta, agora mais urbanizada e cheia de carros para lá e para cá. No banheiro de Vinicius, azulejos originais por Udo Knoff. No de Gessy, também na mesma suíte, outra intervenção do artista, que agora expunha a bunda de uma de ex-namoradas nas suas mais variadas formas. É um lugar curioso.


“Vinicius está curtindo a nova casa adoidadamente”


A manchete de um jornal da época está pregada na parede. Para quem conhece a passagem de Vinicius na existência física, sabe que era preciso paixão para mantê-lo ligado a algo por muito tempo. Movimentava-se entre as possibilidades sempre que a mesmice lhe batia à porta.

Se vivo estivesse, não mais seria casado com Gessy, visto que depois dela ainda vieram mais duas esposas, somando um total de nove mulheres. Gostava do amor. Tampouco acredito que moraria na Bahia, foi o Rio de Janeiro que escolheu para dar seu respiro final, onde deu também o seu primeiro. Mas, se entrasse em contato com essa homenagem, preservada por Renata e Luisa, se sentiria novamente em casa, ouvindo o mar de Itapuã. E aí quem sabe nos convidaria para um copo de uísque, com pouca água e muito gelo, embalado pelas canções que deu de presente para a construção da identidade e memória da Bahia.


Saravá, meu velho poetinha, nós pedimos a sua bênção, saravá!




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