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VINICIUS DE MORAES FARIA 109 ANOS NO PRÓXIMO DIA 19, SETE DESTES FORAM VIVIDOS NA BAHIA


Casa de Vinicius de Moraes no bairro de Itapuã (Divulgação )


Vinicius de Moraes faria 109 anos no próximo dia 19, sete destes foram vividos na Bahia


Foi na casa de Itapuã onde Vinícius de Moraes viveu sua paixão por Gesse Gessy e compôs clássicos como Tarde em Itapuã


A fervida década de 1970 começava a avançar no calendário quando o poeta Vinicius de Moraes (1913 - 1980) deixou para trás a boemia cultural do Rio de Janeiro, a sexta esposa, Cristina Gurjão, grávida de uma de suas filhas, Maria Gurjão Moraes, e ancorou na Bahia para viver mais um grande amor. A eleita da vez era a atriz Gesse Gessy, uma das musas do Cinema Novo.

Antes de se instalar na casa que decidiu construir na paradisíaca Pedra do Sal, em Itapuã, para viver a sua sétima e grande paixão que culminou em mais um casamento, o poeta e sua Morena Flor – apelido carinhoso dado por ele à baiana - alugaram uma casinha, no mesmo bairro, onde foi celebrado o famoso casamento cigano dos dois, que teve como padrinhos o casal Zélia Gattai e Jorge Amado.


Na próxima quarta-feira (19) o poetinha faria 109 anos e o CORREIO celebra aqui a data buscando refazer seus passos em sua rápida, mas intensa, estadia em solo baiano. “Fui a sétima esposa de Vinicius e vivemos sete anos juntos, é cabalístico, né?”, brinca a viúva de número sete do poeta que, embora a relação não tenha tido lá um desfecho tranquilo (ela foi trocada por uma argentina) só guarda boas lembranças do ex-marido. “Praticamente todos que conviveram com a gente já se foram. Sobrou eu, graças a Deus, para manter a memória dele sempre viva”, completa.


"Fui a sétima esposa de Vinicius e vivemos sete anos juntos, é cabalístico, né? Praticamente todos que conviveram com a gente já se foram, sobrou eu, graças a Deus, para manter a memória dele sempre viva" - Gesse Gessy

De fato, embora o período em que o artista viveu na Bahia seja reconhecido como um dos mais frutíferos em termos de criação artística, os biógrafos registram “en passant” essa fase. Na maioria dos trabalhos publicados, os relatos se concentram no Rio de Janeiro, cidade que era o centro da boemia da época. Mas, Graças aos Deuses da Poesia, a viúva de número sete segue firme, forte e cheia de orgulho do que viveu. Ao longo dos cerca de sete anos que viveram juntos, Vinicius de Moraes se dedicou quase que exclusivamente à sua musa, ao uísque e à música, que ganhou novas cores, ritmos e sotaque, fruto da influência da cultura local e de seu encanto pelo candomblé.


Foi na casa que construiu no bairro de Itapuã, onde hoje funciona um hotel boutique com decoração inspirada no artista, que o ex-diplomata compôs canções de amor para sua Morena Flor, flertou com os ritmos afro-baianos e ajudou a imortalizar ainda mais o idílico bairro. Da banheira do seu quarto, mantida até hoje como atrativo de uma das suítes do hotel, a poesia brotava no vaivém das ondas que ele acompanhava pela vidraça. Dali saía pouco. E sempre depois das 17h, quando o sol baixava.


“Ele era notívago, não gostava de sol, de mergulhar no mar e nem de sujar os pés na areia. As raras vezes que ia à praia era com uma de minhas filhas, que o arrastava quase a força, ou quando o cantor Sergio Endrigo estava por aqui de quem gostava da companhia”, lembra Gessy.

As exceções eram as idas ao Bar do Galo, um boteco pé-sujo que ficava na vizinhança, onde sorvia com vontade o seu indefectível uisquinho. Sempre com seu velho calção de banho, com o qual passava o dia a vadiar. Quando a casa começou a ser “invadida” por levas de turistas que sonhavam em ver o ídolo de perto, Vinicius saía cedo em direção à residência do vizinho Elsimar Coutinho para apreciar a “invasão” de longe, com seu copinho na mão. “Ele se divertia olhando o movimento no nosso portão, os ônibus de turismo que paravam, os carros, gente de todo tipo e de todo lugar”, lembra Gessy


Segundo ela, que registrou estas passagens no livro Minha Vida com o Poeta (Editora Solisluna), as pessoas gritavam, batiam no portão e cantavam suas músicas. Mas a fiel Dolores, uma baiana de Cruz das Almas que trabalhou com o casal ainda no Rio e que veio com eles para Salvador, atendia e dizia: "Estão viajando, não estão em casa".


“A imponência e autoridade dela convencia os turistas e Vinicius chegava a ter crises de riso, nesses momentos. Desde que a casa foi inaugurada nunca mais tivemos sossego”, conta a musa inspiradora.

(Acervo Casa di Vini) Vinicius, Gesse e Mãe Menininha


Era Dolores também quem preparava as comidas e guloseimas preferidas do patrão. Apesar de diabético, não dispensava os doces de banana e milho que a cozinheira preparava com adoçante. Mas era o picadinho de carne com abóbora, sua comida preferida. Outros vizinhos com quem conviveu muito foi o casal Calasans Neto e Auta Rosa. Era ela uma das poucas pessoas a quem Vinicius obedecia com relação a bebida. Em de suas raras entrevistas, Auta contou que tomava o copo do amigo e o obrigava a sentar à mesa para comer. Quem a conheceu, não duvida. Dona de uma personalidade forte, Auta Rosa era quase uma autoridade entre os amigos. Dava a ordem e todos cumpriam. Inclusive o Poetinha que fazia de tudo para não perder a prosa com o irreverente casal.


Foi com Calasans que Vinicius batizou o bairro de Principado Livre e Autônomo de Itapuã, do qual se autodenominava Príncipe Consorte. Antes de Vinicius se mudar para o local, a rua do casal (Amoreiras) era de terra batida, cheia de lama e esgoto a céu aberto. Indignado com a situação, o poeta resolveu escrever uma petição em versos, dirigida ao então prefeito Clériston Andrade, pedindo a reforma.

Jorge Amado, que, embora vivesse no Rio Vermelho, era vezeiro dos domínios de Calá e de Vini, conseguiu publicar o poema num jornal de expressão da época, e a rua foi, finalmente, asfaltada. Calá, Amado, Caymmi, eram apenas alguns dos artistas e intelectuais que desfrutavam da companhia do poeta. A casa, segundo conta Gessy Gesse em seu livro, era efervescente de cultura e arte. Gente da grandeza de Gláuber Rocha, Carlos Bastos, Carybé, Mário Cravo, João Ubaldo, além dos tropicalistas Caetano, Gil, Gal, Tom Zé, Bethânia, e por aí vai.


Além dos nativos, intelectuais, músicos e escritores também aportavam por lá. De Toquinho a Baden Powell, de Chico Buarque a Mercedes Soza, passando por Sérgio Endrigo, Danuza Leão, Elis Regina, Leila Diniz, Pablo Neruda e Astor Piazzola.

Vinicius se encantava cada dia mais com a Bahia mística, africana e matriarcal sintetizadas na ialorixá Mãe Menininha do Gantois, que correspondia ao carinho especial que lhe devotava o poeta.


“As pessoas confundem muito essa história. Fui eu quem levou Vinicius ao Gantois e ele ficou apaixonado por Menininha. Dizia que nem na Inglaterra, onde estudou, havia encontrado uma pessoa de tamanha sabedoria. Ele ia lá pra conversar com ela. Às vezes, ficava horas no barracão esperando ela terminar as obrigações para ficarem conversando. Ele nunca participou de nenhum ritual no terreiro, ao contrário do que dizem por aí”, afirma Gessy.

Em terras baianas nasceram grandes parcerias musicais com Toquinho que renderam clássicos como Tarde em Itapuã, Regra Três e Samba da Benção. Na capital baiana, Vinícius também voltou a produzir peças teatrais. De acordo com Gessy, numa construção na Rua Banco dos Ingleses, no Campo Grande, ela montou um dos espetáculos escritos por ele: As Feras que, segundo ela, foi censurada na época porque falava de prostitutas. Vini, tinhoso, de pirraça, contratou várias delas para darem pinta na porta do teatro improvisado. No Teatro Castro Alves, o artista cantou com Toquinho, Maria Medalha, Clara Nunes e Maria Creusa. O show foi ponto de partida para uma turnê que rodou o Brasil e exterior, produzido pela sua musa inspiradora.


(Acervo Casa di Vini) Casamento de Vinicius e Gesse com Zelia e Jorge Amado como padrinhos

Ao fim de sete anos, entre a sua casa de Itapuã e as constantes viagens que fazia para divulgar suas novas produções pelo Brasil e exterior, Vinicius decide separar-se de Gessy para viver um novo amor. Ela reconhece que doeu, mas garante que foi infinito enquanto durou.

Cronologia


1969 – O encontro com Gesse Gessy num bar no Rio de Janeiro. Os dois foram apresentados por Maria Bethânia.


1970 - Nasce Maria, quinta filha de Vinicius, com Cristina Gurjão. Inicia a parceria com o jovem violonista Toquinho. Um de seus primeiros shows com Toquinho é em Buenos Aires, ao lado da cantora Maria Creuza. Casa-se com a atriz baiana Gesse Gessy.


1971 - Muda-se para praia de Itapuã, na Bahia. Com o parceiro Toquinho, alcança grande sucesso popular com a música Tarde em Itapuã. Passa uma temporada ao lado de Toquinho realizando shows entre Buenos Aires e Mar del Plata, na Argentina.


1972 - Na Itália, Vinicius grava com Toquinho o disco Per Vivere un Grande Amore. A dupla lança ainda, com Maria Creusa, o álbum Eu Sei Que Vou Te Amar, versão brasileira do show que o trio realizou no ano anterior na boate argentina La Fusa. Com Marília Medalha, lança o disco Marília e Vinicius – Encontros e Desencontros. Ao lado de Toquinho e Clara Nunes, apresentam o show O Poeta, a Moça e o Violão, no Teatro Castro Alves, em Salvador.


1976 – Fim do casamento com Gesse Gessy. Vinicius retorna ao Rio de Janeiro


1980 - Vinicius de Moraes Morre no Rio de Janeiro



Petição ao Prefeito


(carta em forma de poema que Vinicius de Moraes usou para pedir urbanização da rua onde morava, em Itapuã)


Prefeito Clériston Andrade

A quem ainda não conheço:

Quero tomar a liberdade

Que eu nem sequer sei se mereço

De vir pedir-lhe, em causa justa

Um obséquio que, sem favor

Muito honraria (e pouco custa!)

Ao Prefeito de Salvador.

Existe ali no Principado

Livre e Autônomo de Itapuã

Uma ruazinha que, sem embargo

Pertence à sua jurisdição

Uma rua não sem poesia

E cujo título é dar teto

A uma das glórias da Bahia:

O gravador Calasans Neto.

Dizer do estado dessa ruela

(Da Amoreira) eu não arrisco

Porque sem esgotos, correm nela

Rios de *... — Valha-me o asterisco!

E isso é uma pena, Senhor Prefeito

Pois Calasans e sua gravura

Têm cada dia mais procura

De fato como de direito:

O que constrange os visitantes

Com boa margem de estrangeiros

A, entre gravuras fascinantes

Ver quadros nada lisonjeiros.

Calce essa rua, Senhor Alcaide

E eu lhe garanto que algum dia

Pro domo sua, esta Cidade

O há de lembrar com mais valia.

Na expectativa de que acorde

Um novo "Cumpra-se" , sem mais

Aqui se assina, muito ex-corde

O seu, Vinicius de Moraes.




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