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MAGO DOS METAIS E AS JOIAS ANCESTRAIS



Luiz carregava nos dedos de uma só mão a idade que tinha quando se encantou, pela primeira vez, por uma joia. Era uma corrente esquecida no chão do ônibus onde estava com sua mãe. Aos cinco anos, depois de devolver o objeto ao motorista da condução, por mando da matriarca e a contragosto, ele não imaginava que teria uma vida inteira dedicada ao ouro e à prata.


Hoje, aos 35, o Mago dos Metais, mascarado e misterioso, investe seu tempo e criatividade na feitura de peças únicas e amuletos em devoção aos orixás.

Foi observando a um ourives, no Pelourinho, que Luiz França aprendeu a arte dos metais. Recém contratado para o cargo de serviços gerais de uma joalheria, o menino, ainda muito novo, não pôde deixar de observar a mágica que acontecia quando o profissional dava vida ao pó, transformando aquele ‘quase nada’ em algo pronto para ser comercializado.


“Certo dia, falei para ele: quero fazer esse trabalho. Ele, prontamente, me disse que não, que isso não iria acontecer. Falou que cheguei para ser serviços-gerais e ali permaneceria como serviços-gerais”, descreve o mago. Foi sua primeira porta fechada.


O que ambos não imaginavam é que, em seis meses, o cenário mudaria. De serviços gerais, Luiz foi promovido para motoboy, o que lhe rendia mais acesso e tempo livre para observar o trabalho que estava sendo feito. Resolvia todas as suas obrigações no turno da manhã e retornava ao fundo da loja à tarde, no intuito de aprender.


“Quando o ourives percebia que eu estava ali, observando, me pedia para comprar uma carteira de cigarros. Notei que ele fazia isso na hora do pulo do gato, da finalização. Sempre restava um segredo a ser aprendido. Foi aí que comprei um maço de carteiras e deixei em estoque”, diverte-se. Sua dedicação foi percorrendo os caminhos mais diversos.

Era uma quinta-feira de Lavagem do Bonfim quando o ourives não foi trabalhar. Uma cliente norte-americana solicitou uma aliança, mas todos os outros profissionais estavam ocupados. Foi quando Luiz sentiu-se com sorte. Anunciou ao seu chefe que poderia fazer a joia e pediu-lhe um voto de confiança. Em três horas e meia o anel estava pronto. Foi o seu primeiro. Foi também a primeira chance de tornar-se um artista.


“Tudo aconteceu muito rápido. Naquele final de semana, ainda na ausência do profissional, tive a oportunidade de produzir novas peças. Quando retornamos, na segunda-feira, uma outra mesa tinha sido colocada no fundo da loja. Era minha”, relembra Luiz.


Como aprendiz, sentou-se ao lado do ourives e dedicou seu tempo a fazer-lhe perguntas, tirar dúvidas e aprender seu ofício.


“Ele não durou um mês. Com autonomia de questionar, eu perguntava-lhe absolutamente tudo. Se respirasse diferente, eu queria saber o motivo. Então ele pediu as contas e foi aí que chegou César, que me ensinou muito do que eu sei”.

Dois anos correram rapidamente. Luiz estava cada vez melhor no serviço quando a joalheria fechou suas portas. Em mais um sinal de acaso, o dono pagou seus honorários em ferramentas, o que teria lhe custado um alto investimento. Com os aparatos disponíveis em sua própria casa, iniciou um processo individual de produção e venda, até conseguir abrir sua loja, no Cabula VI. Chegavam os seus dias de glória. Através das redes sociais ganhou notoriedade. Suas peças estampavam os pescoços, braços e dedos de famosos como Mar’tnália, Márcio Victor e Daniela Mercury e seu rosto ficou conhecido por toda cidade.


“Eu estava com tudo. Ia para todas as festas, marcava presença nos camarotes. Postava foto ao lado de Luana Piovani, pagava bebida para todos os meus amigos, tinha dez namoradas. Gastava muita energia. Nesse tempo, já sabendo que precisava cuidar do meu espiritual, ainda não tinha me atentado aos perigos de uma vida pública. Era tudo ilusão”, analisa.

A felicidade de Luiz tinha prazo de validade. Com sua loja arrombada, iniciaria o momento mais complicado de sua carreira. Sem dinheiro e sem amigos, a droga e depressão chegariam a galope. Passou dois anos lutando contra si mesmo, em um processo autodestrutivo cheio de cobranças espirituais. Por falta de pagamento de pensão, foi preso. Por falta de oportunidade de trabalho, virou camelô. Devia a um bairro inteiro, da padaria ao barzinho da esquina, e desacreditava na sua capacidade de produzir.


“Fiz uma oração, durante o banho, que sou capaz de lembrar até hoje. No final do dia, meu telefone tocou. Me ofereceram um ponto no Vale da Muriçoca, era uma nova oportunidade. Peguei minhas ferramentas e fui. Na primeira semana fiz mil reais”.

O novo trabalho rendeu-lhe ânimo, respiro financeiro e a chance de recomeçar. Certa feita, um cliente manifestado por um Exu, entidade que lhe acompanha, deixou-lhe um recado: era hora de se iniciar no Candomblé. O mago sabia da sua herança ancestral e protelava suas obrigações. Já não usava drogas e não consumia bebidas alcoólicas, mas tornou-se um viciado em jogo. Na última rasteira, perdeu uma grande quantia no bingo. O dinheiro serviria de pagamento para seus funcionários. Muito envergonhado, recebeu uma mensagem de Xangô.


“Foi aí que veio o recado final. Meu orixá estava muito chateado e estava disposto a me abandonar. Orixá nenhum faz tudo sozinho. Se eu não me iniciasse naquele momento seria me tirado até o poder de trabalho, ia perder tudo. Então eu acordei”.


Sua iniciação completou oito meses. O percurso espiritual lhe rendeu uma conexão infinita para a produção diária dos seus artefatos. Sonhou que utilizava uma máscara para divulgar sua imagem, já sem necessidade de alimentar o grande ego que se mostrava na juventude. A primeira foto com o rosto escondido foi sucesso absoluto.


Usando contra eguns em ambos os braços, e com um discurso amparado por seus guias, Luiz hoje concentra-se livre de necessidades externas para produzir suas obras de artes.


“Quando uma pessoa senta-se à minha frente para pedir um amuleto, seu orixá já está conversando com o meu. No meu processo de criação, quando algo dá errado, enxergo como um sinal. É preciso mudar a orientação, fazer de outra forma. Às vezes não sai nada. Eu deito, durmo e acordo diferente. A joia vai tomando o caminho por onde seguem os meus ancestrais”, finaliza o artista.

Ao sentar-se diante da mesa de madeira de uma pequena sala, com uma janela por onde entra a luz, o mago liga suas antenas aos orixás, que sopram as direções para onde devem seguir seus mágicos dedos, em busca de mais uma peça carregada de boas energias. Ali, sem máscara alguma, ele faz a mágica acontecer.


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