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KATUKA E O MOSAICO DE ANCESTRALIDADES



Quem caminha pelo Centro Histórico, do Elevador Lacerda rumo ao Terreiro de Jesus, dificilmente passa imune à presença da herança deixada pela diáspora africana em solo soteropolitano. O Pelourinho, palco das mais diversas manifestações artísticas, preserva aspectos do que há de mais original dos povos além mar.


É nesse pedacinho de chão que ficam as lojas Mercado Negro Katuka e Katuka Africanidades, idealizadas pelos sócios e amigos Renato Carneiro e Carlos Danon. Espaços que reúnem, através do comércio sustentável pautado nos referenciais culturais de matrizes africanas, produtos para o cuidado espiritual, elementos estéticos e literatura consciente.

Já faz mais de dez anos que o paulistano Renato Carneiro aterrissou, de mala e tudo, na soterópolis baiana para começar uma nova vida. Na época, já colecionava idas e vindas onde trazia produtos africanos com fins comerciais.


“Era uma forma de ter uma grana, ficar pela cidade e fazer aquilo que eu queria fazer. Tinha um núcleo de clientes muito grande e participava de algumas feiras. Foi aí que veio a necessidade de um espaço físico”, conta o designer.


O Mercado Negro Katuka veio primeiro. Ficava em uma galeria de trânsito intenso provocado pelas pessoas que desciam em direção à Ladeira da Praça. O lugar era ideal para o comércio, já que ali, antigamente, era ponto das tradicionais baianas de acarajé de famosas casas de candomblé. O local também abrigava duas lojas de produtos religiosos e isso já era motivo o bastante para a grande de circulação de clientes.


“No início não foi fácil. Nesse tipo de comércio, a questão da tradição se mantém para além do espaço religioso. Existe um fornecedor que minha avó comprava, que minha mãe comprava e eu vou comprar com ele também. É como perpetuar a história. Então as senhoras mais velhas passavam e olhavam de maneira estranha. Só que descobrimos outros elementos importantes”, revela Renato.

O atendimento cuidadoso e a disposição das peças no espaço físico fizeram toda a diferença. Os sócios perceberam que, ao comprar algo que irá compor sua relação com o sagrado, o toque do cliente vira uma ação de grande valia. É como ver com as mãos. Mesmo com centenas de pecinhas iguais, com o mesmo formato e a mesma cor, ele quer escolher a sua de maneira íntima e especial.


Com o declínio do movimento da antiga galeria, o Mercado Negro mudou de lugar e tomou espaço na Praça da Sé. Logo depois, com a necessidade de expandir a vitrine e trabalhar com uma maior quantidade produtos, surgiu a Katuka Africanidades na Rua Guedes de Britto, número 01.


“Na nova loja foi possível desenvolver um trabalho de moda autoral, com um mostruário maior para as peças artísticas e para a livraria, que trabalha com editoras que têm o recorte de raça, gênero e sexualidade”. Os sócios investem na diversidade de títulos e, vez ou outra, realizam eventos como debates, rodas de conversa e lançamentos.


O novo ambiente também possibilitou que eles apostassem em uma dedicação exclusiva do Mercado Negro para produtos de cuidados religiosos. Lá é possível encontrar sementes, pós, penas, corais, contas e mais uma infinidade de coisas que vêm de países como Nigéria, Benin, Senegal, Moçambique e Mali.


Já as esculturas, comercializadas na Katuka Africanidades, chegam de várias regiões diferentes. Sempre que têm a etnia definida, o cliente pode levar para casa uma peça devidamente etiquetada e com um pouco mais de história.


“Queremos ressignificar essa herança africana com um grande mosaico, com tudo que a gente consegue. Não queremos perder nada porque isso amplia o nosso contato com as informações da nossa ancestralidade, que muitas vezes carregamos sem nomes. É uma forma de abastecer as pessoas com um pouco mais de conteúdo sobre a história delas mesas”.

A conexão de Renato com a Bahia, conta ele, está amarrada em coisas que ele não sabe de onde vêm, mas tem a ver com as energias preservadas aqui de uma maneira um tanto mais intensa.


“É um céu que brilha mais, é um vento que é muito mais vento, é um mar que é muito mais mar”, completa.

Katuka, em kinbundo, língua banto, é um convite para sair. Nada comum para um comércio onde entrar é o primeiro passo. Mas até os primeiros passos precisam ser dados com consciência, quando abandonamos a falta de compreensão e seguimos rumo ao conhecimento, para ser quem verdadeiramente somos e saber de onde verdadeiramente viemos.


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