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GAL DO BECO: A DAMA DO SAMBA DA BAHIA




“Mulher, você ainda vai cantar muito nessa terra”, profetizou um beberrão conhecido por perambular pelo bairro de Itapuã, nos anos 80, carregando um violão debaixo dos braços. Era Sabata que falava de Maria das Graças da Silva, mais conhecida como Gal do Beco, a Dama do Samba da Bahia. Nascida no Rio de Janeiro, radicada em Salvador há mais de quarenta anos, a cantora é reverenciada nos quatro cantos da cidade, nas rodas de samba por onde chega.


Foi em 1975 que Maria das Graças conheceu a cidade do Salvador. Casada com o artista plástico Roberto Griot, trocou o Rio por São Paulo e mudou-se posteriormente para a capital baiana, em 1979, de mala e cuia. Carregava consigo os seus dois filhos ainda pequenos.

A primeira parada foi Itapuã. Enquanto o marido desenvolvia seu trabalho em exposições pela cidade, Maria das Graças garantia o ganha pão através da confecção. O casamento chegou ao fim ao passo em que estruturava uma barraca a beira-mar, na Rua F, chamada Momentos da Gal. “Foi ali que começou a minha história com a música. Henrique de Itapuã e Roberto Casal foram duas pessoas que me ajudaram muito nesse período. Toda segunda-feira eu fazia uma rabada e a turma do futebol chegava junto, brincando, falando que ia comer a rabada da Gal”, conta.


Foi nessa brincadeira que a moçada fez daquele lugar um point que durou dez anos. Certa vez, a maré de março deixou o espaço depenado. Foi preciso muita luta e força dos amigos para recompor a sua estrutura.


“Nessa época, minha vida era uma loucura. Eu trabalhava de dia, na barraca, e à noite ia para o Deco, ia para a seresta no Comércio, acabava no Papo de Viola. Quando dava 5h da manhã eu saía do boteco, passava em casa para trocar de roupa e seguia para a barraca para pegar meu gelo no carrinho de mão, aquela coisa toda. Mas eu era feliz. Você não imagina como eu era feliz naquela época”, recorda.

Acostumada com o sereno e figura conhecida na boemia soteropolitana, Maria das Graças decidiu montar um bar. No dia 17 de abril de 1989 surgia o Beco da Gal, resultado de uma parceria com sua amiga Rosângela, no antigo Bar e Lanchonete Babadão, na Vasco da Gama. A inauguração, feita em uma quarta-feira, começou 19h e terminou ao passar das seis da manhã. O samba comeu no centro até o dia raiar. A turma toda cantou no gogó, batendo em mesas, panelas e latinhas.


“A noite foi um sucesso. Depois desse dia, chegou quinta, sexta, sábado, domingo, segunda… e o bar não vendia nada, nem uma água. Na quarta-feira seguinte, foi chegando um, chegando outro. Montei tudo muito rápido. Só tinha calabresa, um engradado de guaraná e umas cinco ou seis cervejas”, lembra.


Naquele dia, a dupla saiu pedindo cerveja emprestada aos bares da vizinhança. Gal foi ligando para um e para outro para montar uma roda de samba. Nascia uma tradição e o improvisado teve que dar lugar ao profissional. Nas quartas seguintes, a coisa seria diferente. O Beco de Gal, famoso por lotar no meio da semana, virou um ponto de encontro dos apreciadores do samba e deu à Maria das Graças um novo nome e sobrenome, genuinamente baiano, pelo qual ficaria conhecida nas décadas seguintes: Gal do Beco.


“Cadê a menina faceira / Tá no samba geral / Aonde é esse samba? / É no beco de Gal” (Tonho Matéria, Tchaco)

O Beco criava o maior burburinho entre os artistas da terra. Quando tinham oportunidade, eles carregavam para lá renomados cantores e cantoras da época. Em 19 anos, passaram pelo espaço nomes como Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, Martinho da Vila e até Beth Carvalho. “Entrou e saiu igual a um foguete, quando o pessoal foi todo pra cima dela”, diverte-se. Netinho de Paula e o Grupo Molejo também chegaram por lá.


“Passou muita gente na minha vida, nessa história toda. Quando falam que o beco morreu, eu revido: mas eu estou viva”. Vivíssima e vivendo, a Dama do Samba da Bahia continua espalhando seu talento pela calorosa cidade onde, no ano 2000, recebeu o título de cidadã.

A honraria, embora caprichada, só fez acentuar o que sentia em seu coração.


“Quando vou ao Rio, fico louca para voltar pra cá. Minha mãe questiona se esqueci que sou carioca. Eu logo respondo: Não, minha mãe. Maria das Graças é carioca, mas Gal do Beco é baiana”, completa com uma gargalhada tão acentuada capaz de inclinar a sua cabeça para cima, feito quem comemora algo com muito prazer.

Como tantos outros que renascem nesse solo-mãe, Gal do Beco surgiu do encanto das ruas e vielas da Cidade da Bahia, entre acordes e tons, no lazer e no labor, da mistura cadenciada do samba que aqui desembarcou e partiu Brasil afora. Generosa, dona de uma voz altiva e carregada de talento, ela pega carona com o vento e logo adianta: “Eu sou espalhada”.

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