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ALBERTO PITTA E A ARTE DE FAZER CARNAVAL




Elegantemente sofisticado. É assim que o bloco Cortejo Afro surge no palco ou na avenida, no carnaval de Salvador. Ao ser criado em 2 de julho de 1998, no bairro de Pirajá, o bloco tinha a proposta de levar para as ruas uma estética própria e segue nesse objetivo até hoje.


Das estampas exuberantes dos tecidos aos movimentos coreográficos, tudo é estética e nada passa despercebido por Alberto Pitta, artista plástico, presidente e fundador do Cortejo. Ao deixar o Olodum em 1997, depois de 15 anos atuando como um dos diretores de arte do bloco afro do Pelourinho, Pitta sentiu a necessidade de levar para a avenida, além da música e da percussão, aquilo que ele sabia fazer de melhor: a arte. Ou melhor, a arte voltada para quem mais interessa.


“Saí do Olodum para criar um bloco que pudesse primar mais pelas artes plásticas, intervenções artísticas, instalações. Enfim, que a gente pudesse levar isso para o carnaval como proposta estética, mas também como princípio de melhoria da condição da gente do povo. Porque quando você tem acesso a isso, as coisas mudam, né? É a arte a serviço das pessoas. Aquilo que você não pode ver ou ter acesso em galerias de arte e museus, eu tive a ideia de colocar no carnaval. E o Cortejo vem fazendo isso. De certo modo, a gente vem conseguindo dar o recado com nossas cores, com o nosso jeito de fazer festa, de surpreender a cidade”, explica.

Alberto Pitta é um dos 10 filhos da ialorixá Anísia da Rocha Pitta e Silva, Mãe Santinha, como era conhecida a antiga líder do terreiro Ilê Axé Oyá, em Pirajá. A matriarca, que faleceu aos 90 anos em 2015 e comparecia a todos os desfiles do Cortejo, sempre serviu de inspiração e orientação espiritual para o filho artista. Pitta conta que, no início, seu desejo era ser goleiro de futebol – chegou até a treinar em clubes -, mas logo foi “abduzido” pela arte.


Começou com a serigrafia em 1977 e, com o fortalecimento político e estético de blocos como o Ilê Aiyê, descobriu que podia expor seu trabalho nos tecidos das roupas usadas nos desfiles de carnaval. Quando criou o Cortejo Afro, foi pioneiro ao introduzir nas estampas do bloco a predominância do branco sobre o branco, o azul e a prata (as cores de Oxalá). Os enormes sombreiros que são vistos nas apresentações e desfiles do Cortejo também têm o seu significado: o objetivo é transmitir o visual dos reinados das tribos africanas, especialmente do Benin e Costa do Marfim.



“Faço parte de uma família que vem de um terreiro de candomblé e o que eu faço vem da ambiência e do cotidiano dos terreiros. A religião foi apresentada a mim através dos signos e símbolos dos orixás. O meu trabalho também vem da minha Mãe Santinha, que desenhava, fazia bordados. Eu gostava do grafismo, da forma como ela fazia aquilo. Isso me atraiu. Saí do futebol para uma coisa que já estava ali só esperando a oportunidade”, relembra o artista plástico. O interesse pelas cores e pela estética era tanto, que Mãe Santinha atribuiu a ele um cargo um tanto inusitado no Ilê Axé Oyá. “Minha mãe, antes de morrer, disse que eu era o ‘ogã das tintas’, porque eu fico querendo pintar tudo”, brinca.

Todo ano, a cada carnaval, os tecidos de Pitta contam uma história. “Milagres do Povo”, música de Caetano Veloso, foi o tema de 2018, e trechos da canção foram estampados na fantasia do bloco, que foi desenhada em formato de navio negreiro – no lugar dos escravos, búzios. A ideia de colocar letras nas estampas é proposital, pois, segundo ele, “muita gente que sai no bloco não sabe ler” e o objetivo é levar a palavra para essas pessoas. “Aprender a ler para ensinar meus camaradas”, diz Pitta, citando os versos da música de Capinam e Roberto Mendes.


Muitas vezes, apenas alguns versos de uma música servem de mote para a elaboração dos temas dos desfiles do Cortejo. Em 2011, foi a vez de “Um trem para as estrelas”, de Cazuza e Gilberto Gil. A frase “depois dos navios negreiros, outras correntezas” foi o suficiente para que Pitta elaborasse todo um discurso estético para o carnaval do bloco naquele ano.


“Eu pensei: depois dos navios negreiros, outras possibilidades de liberdade, de conquistas, de igualdade. Essas outras correntezas, que não são as turbulentas das caravelas despedaçadas que foram aqueles navios, mas outras correntezas. De água limpa. A partir disso, eu vou bordando a fantasia”, ilustra.


Todo esse empenho em elaborar um conceito que dialogue de maneira tão importante com a arte e a ancestralidade, infelizmente, não é o suficiente para colocar um bloco na rua. Sem o interesse de grandes patrocinadores em viabilizar financeiramente os desfiles, Pitta diz que, muitas vezes, tem que contar com a ajuda de amigos influentes que apoiam o Cortejo e conseguem possibilitar alguns recursos para a saída do bloco.


“Você vai em uma cervejaria procurar patrocínio e o cara diz: ‘Poxa, é porque vocês não são o nosso público alvo’. Como? Quem que está na rua fazendo o carnaval, se não é a negrada? Como nós não somos o público alvo?”

Arte e futebol


Ainda que não tenha seguido a carreira de goleiro, o futebol ainda é uma constante na vida de Alberto Pitta, que já foi vice-presidente do Esporte Clube Ypiranga e hoje faz parte do Conselho do time. Assim como na arte, até sua presença no clube tem uma certa simbologia. Ele diz que aceitou o convite para integrar a diretoria da equipe, entre outros motivos, por este ser o time de Mestre Pastinha, um dos grandes responsáveis pela difusão da Capoeira Angola – que, por sua vez, tem as mesmas cores do Ypiranga, amarelo e preto.


“Era também o time de Jorge amado, de Capinam, de irmã Dulce, do pai de Gil, do pai de Caetano… Todo mundo é Ypiranga porque é um time que tem uma história linda, que foi feito para os negros jogarem futebol, em 1906”, relata o artista, em mais uma das muitas histórias que ainda tem para contar.


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