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ACERVO DA LAJE: GUARDIÃO DE MEMÓRIAS DO SUBÚRBIO

Atualizado: 29 de dez. de 2021


“Agora que você já sabe sobre a violência, que tal estudar a beleza do Subúrbio?”. A provocação chegou a José Eduardo Ferreira Santos em 2008, por meio do sociólogo Gey Espinheira, que compunha a banca examinadora de sua tese de doutorado sobre jovens em situação de risco e vulnerabilidade. Ele, pedagogo por formação, nascido e criado no Subúrbio Ferroviário de Salvador, nunca havia pensado naquela perspectiva e aceitou o desafio.


“Procurei o fotógrafo italiano Marco Iluminatti e iniciamos um trabalho para mapear os artistas invisíveis. Um foi indicando o outro e, até então, ninguém acreditava que tinha artista no subúrbio. Encontramos alguns que faziam pintura em tela, grafitti, escultura em madeira, em alumínio, começamos a comprar estas obras e as pessoas vieram visitar nossa casa por causa da arte. Muita gente tende a acreditar que um território vulnerável e caracterizado pela situação de pobreza não tem elaboração estética”, contextualiza José Eduardo.

Ele e a esposa, Vilma Santos, passaram a adquirir cada vez mais obras e resolveram fazer exposições em casas e lajes do Subúrbio. A própria residência do casal foi tomada pela arte: virou o Acervo da Laje, localizado em São João do Cabrito, no bairro de Plataforma. São azulejos, máscaras, livros, pinturas, conchas, madeiras e cerâmicas expostos aos visitantes em dois sobrados. Isto porque o primeiro espaço ficou pequeno para tantas peças e, em 2015, foi construída a Casa 2, um local para a realização de oficinas, reuniões e palestras.

“O arquiteto Federico Calabrese fez o projeto e pensamos em como ela seria. Tem muito fluxo de gente, realizamos muitas oficinas e, enquanto a Casa 1 é tudo muito interno, nesta aqui nós pensamos em fazer uma coisa mais externa. Rebocamos, colocamos o piso, energia, e a arquiteta Ana Carolina Bierrenbach sugeriu que a gente coletasse azulejos antigos para revestir. Passamos dois anos coletando e agora estamos vendo os primeiros resultados”, diz o pesquisador.


A Casa 2 é um sobrado que tem vista voltada para o mar e para a linha ferroviária. São três andares e duas escadas anexas ao lado de fora, ambas cobertas por mosaicos de azulejos das mais diferentes épocas – obra do artista plástico Zaca Oliveira. Cada pedacinho traz consigo um pouco da história da cidade de Salvador.


Além de Zaca, o Acervo conta com a colaboração de diversos artistas – seja na doação de peças ou na execução de oficinas -, como Prentice Carvalho, Reinaldo Eckenberger, Cláudio Pastro e alguns amigos de outros estados e países. A maioria dos alunos é formada por moradores do entorno, crianças e adultos interessados em aprender um pouco mais sobre a arte. A depender dos voluntários, são cursos de desenho, pintura, fotografia, mosaico e madeira. José Eduardo conta que muitos vizinhos comparecem às aulas com o intuito de aplicar o que aprenderam nas próprias casas.


“Por exemplo, a pessoa constrói um banquinho. Ele fica um tempo na exposição, depois ele volta pra cá e cada um leva sua obra. Este é o grande saque: fica uma obra coletiva pro acervo, depois elas voltam para as pessoas que fizeram porque elas podem dizer ‘fui eu que fiz'”, ilustra.


Os recursos para manutenção dos dois espaços são próprios e o casal também conta com a colaboração de admiradores do projeto, uma rede de pessoas que se disponibilizam para torná-lo viável. Para uma cidade como Salvador, repleta de história em suas esquinas, becos e vielas, o Acervo da Laje surgiu como um guardião da memória de uma região da capital soteropolitana que não está nos cartões postais. A arte é pulsante no subúrbio e em seus moradores, o que torna o trabalho de José Eduardo e Vilma essencial e contínuo.

“O artista Mano Penalva, baiano que mora em São Paulo, durante uma oficina de Arte Contemporânea, disse: ‘Na escola me disseram que eu não sabia desenhar’. Achei isso um absurdo. Se você não errar, você não desenvolve e a gente não é obrigado a ser igual a todo mundo. A arte que fazemos aqui não é para as massas, é para cada um, que cada um encontre sua forma de expressão. Queremos lidar com a memória. Nós somos deseducados a cuidar da cidade e acho que no Acervo, a gente vai desdobrando estas coisas”, ressalta o pesquisador.

As visitas ao espaço são gratuitas e podem ser agendadas por telefone ou por e-mail. Cada pedacinho do lugar é uma espécie de mosaico de memórias e cores do subúrbio, ensinando que a beleza pode ser encontrada em todos os cantos da Cidade da Bahia. É só exercitar o olhar.


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