Conheça a trajetória de Gabriel Pontes
“Comida é a arte que brota da terra tomando formas assimétricas com cor, cheiro e sabor”. Essa frase é do chef de cozinha e empresário (não necessariamente nessa ordem), Gabriel Pontes. Até fundar o “Rangaço”, o seu atual empreendimento , Gabriel peregrinou por diversas partes do mundo. Ex-estudante de Direito, o jovem trancou o curso, colocou a mochila nas costas e partiu em busca dos seus sonhos.
"Achava estranho ter colegas de sala que nas primeiras semanas de aula usavam paletó. Comecei a ver que não era a minha e senti então a vontade de abandonar o curso. Fazia uns sete anos que eu não tinha contato com a minha mãe, que morava em São Paulo. Resolvi então ir lá. Entro na sua casa e sou tomado por uma energia de pertencimento, acolhimento e conforto de alma, começo a chorar e no meio desse choro de alegria, saudade e emoção, já tinha toda a certeza que moraria ali”, lembra o rapaz.
“Eu estava vivendo na cidade da América do Sul mais importante para a gastronomia. A cidade respira isso. Fui num restaurante, perto de um shopping, e consegui um trabalho. Eu limpava o buffet e era responsável pela reposição. Em paralelo a isso, ingressei na faculdade de gastronomia. Em São Paulo, é possível encontrar muitos ingredientes, restaurantes de todos os tipos e formação acadêmica de todos os níveis em setores referentes a culinária”, relata.
Sem grandes perspetivas e promoção, o então jovem estudante resolveu pedir as contas. Desempregado e precisando bancar seus estudos foi até a faculdade “pedir socorro” a um professor:
“Disse que precisava de um emprego. Ele aí indicou-me um estágio. Era o “Sal Gastronomia” do Chef Henrique Fogaça. Era um restaurante muito pequeno e escondido. Com pouco mais de um ano de trabalho fui aprendendo e assumindo outras funções. Tempos depois senti a vontade de conhecer novas cozinhas e aprender com novos Chefes. Fui então trabalhar com João Lemem, presidente da ABAGA que chefiava um restaurante chamado KAÀ . O KAÀ foi o restaurante mais lindo que pude trabalhar em toda minha vida, vencedor de um prêmio de arquitetura como o mais belo restaurante do mundo. Eu era responsável pelos peixes e frutos-do-mar. Lula, polvo, mexilhão, Vôngole , lagostins, vieira, pargo , dourada e alguns pescados. As minhas tarefas iam do pré-preparo até a finalização. Foi uma grande descoberta e evolução”.
Uma proposta de um antigo colega de faculdade fez Gabriel novamente arrumar as malas e partir para Maceió, em Alagoas, onde o parceiro estava abrindo um restaurante na “Praia do Francês”. A sua passagem na paradisíaca praia foi interrompida após uma ligação telefônica, onde o seu pai comunicou que estava desempregado. Comovido com a situação do seu progenitor, comprou uma passagem rumo a Salvador:
“O meu pai, tinha uma reserva, sempre soube administrar bem o seu dinheiro. Eu estava vivendo muitas experiências com a comida. E nós dois, não estávamos prosperando financeiramente. Chegamos à conclusão de que teríamos que fazer algo juntos. Analisamos o mercado por quase 8 meses e observamos que deveríamos dar um paço certeiro. Comida é uma necessidade básica das pessoas. Compramos um restaurante que já estava em funcionamento onde o número de pessoas passantes e trabalhadores locais era o maior da cidade. Surgiu assim o “Tempero de Mãe”, que até os dias de hoje, é umas das fontes de renda da nossa família”.
Inquieto, Gabriel sentia o desejo de querer aprender mais… Arrumou os seus “trapos” e com a grana que tinha guardado foi fazer um mochilão pela América do Sul. A sua turnê pelo continente, foi iniciado em Lima, no Peru, onde começou a cursar uma pós-graduação em gastronomia.
“Chimonero, Barrachalaca, Punto Alto, foram alguns restaurantes típicos de comida tradicional peruana onde tive o prazer de aprender. Também pude cozinhar no Mantra, um restaurante de comida Hindu, na cidade de Lima, que trabalhavam Chef e cozinheiros do Nepal. Foi divertido e muito significativo na minha evolução como cozinheiro. E claro, comer em lugares novos, na rua, ajudou muito na construção de novos sabores”, recorda o andarilho.
De Lima para o Equador, onde passou por uma experiência no mínimo “diferente”, como ele mesmo conta:
“Na cidade de El Choro, subindo uma montanha asfaltada fui perguntando ao povo local onde podíamos por nossas barracas de camping. Caminhamos um pouco e o som de música alta nos animava, música local, cheia de vida. Fomos surpreendidos por uma festa local que duraria 7 dias com comida e bebida para todos em todas as refeições. Fomos tratados com muito carinho, nos ofereceram bebidas e cigarros, e o refeitório cabia toda a cidade. Fomos convidados a comer e montar a barraca da escola. Depois de comer muito bem, claro que não podíamos deixar de ajudar na cozinha. E foi uma experiência muito verdadeira e linda, estar com essas pessoas, cozinhando, bebendo e comendo como um vizinho local”.
Peregrino, o chef passou ainda pela Argentina, Uruguai e Colômbia antes de voltar ao Brasil. De volta a sua terra natal resolveu retomar um antigo projeto: o Rangaço. O local é especializado em lanches autorais com um pouco de tudo o que conheceu em cada andança. Uma mistura de Sertão e América do Sul.
“No Rangaço busco trazer toda essa vivência na gastronomia. Conectar o cliente ao fornecedor. É mostrar que o cara estava ali, às 3h da manhã, montando a guia dele na feira… É saber de onde vem o ingrediente. Levar isso para o cliente, mas sem necessariamente estar em um restaurante muito glamouroso. Saber que você não precisa colocar uma calça e uma camisa muito elegante para entrar. É você sair da praia e se estiver afim de se conectar com uma comida boa, que te satisfaça, que tenha uma arte e pessoas pensando ingrediente afim de lhe proporcionar um serviço de experiência acho que é o que a gente quer fazer no Rangaço”.
Cidadão do mundo, Gabriel Pontes não esconde sua paixão pela região Nordeste, seu povo, sua cultura e sua gente. O nome do Rangaço, inclusive, faz referência às tradições nordestinas.
“O nome foi dado por um amigo, o Billy. Chegue uma noite na casa de Daniel (irmão de Billy) e disse que precisava unir o cangaço com o rango. O rango é porque é como a gente se comunica: tô de rango ou vou pegar o rango... Já o cangaço é a expressão da resistência do nordestino. Passei essa formação em São Paulo e vi que as coisas lá eram seguradas pelo nordestino. Sinto orgulho dessa resistência. Depois de viajar pelo mundo eu percebi que o Nordeste é foda.
O restaurante tem como um dos principais carros-chefes o sanduba batizado de “O Porco”, que traz a cremosidade e a picância do molho peruano de huancaína e a cebola roxa marinada no limão (com raspas incluídas), ingredientes típicos do Peru. O “Completaço” é outro sucesso da casa. O “prato” compreende 180g de cupim desfiado, refogado na manteiga de garrafa com um leve toque de manjericão fresco, tomate maduro grelhado e molho de melaço com pimenta-doce. Já queijo coalho maçaricado colocado no meio é a cereja do bolo. Para beber, a sugestão é a Cajuína Cristalina, um suco de caju batido com gengibre. O cardápio completo pode ser conferido no perfil oficial no Instagram (@rangaco.co).
Além de extremamente saboroso, a porção é generosa. São 180g de fatias da carne (copa/lombo) que se misturam a três outras de queijo. Para rechear ainda mais o pão, no caso aqui, o brioche, ainda vai um creme de alho que faz — e como faz! — toda a diferença.
Origem — A paixão pela culinária começou a florescer dentro de Gabriel ainda na infância, quando morava em Jequié, na casa dos seus avôs maternos. Uma experiência relatada pelo chef durante esse período na cidade do sudoeste baiano, talvez tenha sido o embrião para concepção do Rangaço. Abre aspas:
“Certo dia me levaram para comprar um porco. Foi a minha primeira oportunidade de presenciar a morte de um animal em prol de uma refeição. Os meninos trouxeram o porco para casa e lá mesmo lhe acertaram uma facada no peito, após gritar por um curto momento, já não estava mais vivo. Depois disso, inicia todo um ritual para o preparo desse animal. O sabor do sebo da sua gordura, ainda é muito claro na minha mente... único e inesquecível. Como toda criança também brincava de cozinhar, mas a experiência de cozinhar um pássaro foi a minha primeira manifestação com o fogo e o ingrediente”.
“Depois do ritual do preparo do porco, presenciei o momento que um pássaro colide em um muro branco. Eu que sempre adorei os passarinhos fui buscar ajuda-lo. Com dois gravetos no pescoço enrolado por um pedaço de pano, lhe apertei o coração, buscando fazer com que ele voltasse à vida. Depois de alguns minutos percebo que já não estava mais entre nós. Acendo uns gravetos na churrasqueira, faço o fogo, abro o pássaro com uma faca, e retiro seus órgãos. Vou até a cozinha apanho um pouco de sal, coloco sobre em seguida coloco o pássaro e seus órgãos sobre a grelha e espero seu cozimento. Por não saber depena-lo não me sinto confortável em come-lo. Assim, que cozinhei para o gato que me fazia “companhia”. Foi depois desse momento, e claro com a maturidade natural da vida, que vejo o fogo como algo muito lindo, capaz de alimentar, transformar a comida e a vida das pessoas”, completa o Chef.
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