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AUGUSTO CONCEIÇÃO: DA ORQUESTRA AO SAMBA DE RODA



Aos sete anos de idade, Augusto Conceição acordou no meio da noite e encontrou o pai, o maestro Vivaldo Conceição, tocando saxofone na sala de casa, acompanhado de dois amigos: um ao piano e o outro, ao violão. Passados alguns anos, a memória de infância ganhou um novo significado quando Augusto, já adolescente, se deu conta de quem eram os companheiros de música do pai naquela noite – Caetano Veloso e Gilberto Gil, hoje dois grandes nomes da música popular brasileira.


“Eles eram amigos de meu pai. Na época da Tropicália, meu pai tocava muito no Teatro Castro Alves. Era o quarto violoncelista da UFBA. Então, eu estava sempre cercado desse movimento”, relembra.

Além do sobrenome de peso, Augusto Conceição herdou do “Luminoso Diamante Negro da Bahia”, como era conhecido o maestro Vivaldo, o talento para a música. Começou a tocar piano aos sete anos e parou aos nove, após sofrer um acidente que tirou parte de um dos dedos da mão esquerda.


Resolveu, então, estudar trompete e passou a ajudar o pai nas apresentações, ensinando, tocando, escrevendo e lendo partituras – até que descobriu a paixão pelo futebol e resolveu deixar a música de lado.


“Um dia, meu pai estava na mesa comendo, e minha mãe falou: ‘Ô, Vivaldo, você sabia que Augusto não quer mais saber de tocar trompete? Ele agora quer ser jogador de futebol. A vida dele é naquele campinho ali’. Meu pai levantou, foi lá dentro, pegou meu trompete, quebrou, sentou e continuou a comer. Aí pensei: ‘Agora vou ter que ser jogador de futebol mesmo'”, relata sorrindo.


O amor pelos gramados não durou tanto. O filho caçula do maestro descobriu no trombone uma nova paixão. Levado pelo pai, participava como ouvinte das aulas de teoria musical ministradas na UFBA. Entrou na orquestra de Vivaldo Conceição e, aos 17 anos, já tocava com nomes como Gerônimo, Edson Gomes e Lazzo Matumbi.


Enquanto estudava música erudita, Augusto também participava ativamente do movimento de samba junino, que estourou em alguns bairros de Salvador em meados dos anos 70 e era formado por muitos percussionistas de blocos de carnaval. Tocava pandeiro, surdo e timbal. O samba entrou em sua vida ainda cedo: a casa que recebia Caetano e Gil, também contava com a visita dos caboclos para fazer samba de roda.

“Minha mãe era apaixonada pelo candomblé e lá em casa sempre iam muitas ialorixás e babalorixás. Tinha festa de caboclo, eu via os caboclos dançando o samba de roda e eu, pequenininho, ficava batucando. No meio da semana, me juntava ao meu irmão e começávamos a fazer as batucadas e a cantar: ‘Me chamam de boaideiro, não sou boiadeiro não! Sou vaquejador de gado, boiadeiro é meu patrão”

Timbalada


Ao lado do irmão mais velho, Vivaldo Filho, Augusto formou o grupo Samba Fama, que obteve destaque na cena musical de Salvador dos anos 80. A plateia dos ensaios abertos era formada por figuras como Carlinhos Brown, de olhos e ouvidos atentos à batucada do timbal.


“Samba Fama era a onda que tinha aqui em Salvador. Carlinhos Brown, Valtinho, do Chiclete com Banana e outros, ficavam na plateia e naquela época não sabiam tocar timbal. E a gente já tocava um tempão”, recorda.


Em 1993, Augusto foi convidado a tocar trombone na gravação de uma música que, logo depois, estourou nas rádios da capital. Era “Canto pro Mar”, o primeiro sucesso do que viria a ser a Timbalada, que na época ainda estava sendo gestada por Carlinhos Brown.


Além de Augusto e outros integrantes, o grupo foi formado pelos grandes cabeças do samba junino de Salvador. Na Timbalada, o filho do maestro, além de atuar como um braço direito de Brown, dirigindo e arranjando músicas, também cantava e tocava trombone. Foi ele que deu a voz à “Mulatê do Bundê”, primeira faixa do primeiro disco do grupo.



Doze anos e seis discos depois, Augusto deixou a Timbalada e dedicou-se ao samba e à carreira de compositor. Vêm de sua safra sucessos como “Bug Bug Bye Bye” e “Pererê”, ambos gravados por Ivete Sangalo; “Piriripiti”, registrado por Claudia Leitte, entre outros.


A dependência química, no entanto, levou o talentoso multi-instrumentista a passar por maus bocados até descobrir uma insuficiência renal. Voltou a morar na antiga casa dos pais, então ocupada por uma irmã e, com a ajuda da ex mulher e dos velhos companheiros da música, conseguiu o tratamento adequado e se reergueu.


Em 2013, resolveu transformar os fundos da residência da família, na Rua Mestre Pastinha, em um espaço que pudesse ser ocupado por aquilo que ele aprendeu com os caboclos, na sala da antiga casa dos pais: o samba de roda.


“Ninguém gostava do fundo, porque não tinha nada. Era tudo sujo, ninguém vinha. Aí chamei dois caras e comecei a capinar, resolvi fazer um espaço”, conta.

Alguns ensaios do Samba Fama foram realizados na parte da frente da casa, batizada de “Casa do Maestro”.


Tempos depois, em 2018, os caminhos de Augusto cruzaram com os do produtor cultural Lomanto Oliveira, que somou forças aos planos de transformar o lugar em um espaço dedicado ao samba de roda. O projeto ganhou corpo e, hoje, o Espaço Cultural Casa do Maestro realiza o Samba do Vai Kem Ké, comandado pela dupla e formado por jovens percussionistas e outros músicos da cena soteropolitana.


O criador da logo do grupo, que tem uma estética toda voltada ao samba junino, é Ray Vianna, artista que fez as capas de três discos da Timbalada. Os frequentadores dos sambas de domingo na Casa do Maestro também têm acesso a chapéus de palha customizados, que podem ser usados nas grandes rodas que se abrem para quem quiser entrar e dançar.


No palco, Augusto e os músicos cantam, dançam, tocam e puxam o coro. Feito festa de caboclo.


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