Certo dia, em meados dos anos 50, Maria das Neves ouviu de uma ialorixá que a segunda de seus oito filhos, a ainda menina Alaíde da Conceição, à época com sete anos de idade, iria sobreviver dos grãos de feijão. De fato, os anos comprovariam o vaticínio da mãe de santo e a filha de Das Neves seria reconhecida nacional e internacionalmente pelo prato que se tornou seu carro chefe: a feijoada.
Alaíde do Feijão, que hoje leva no nome a sua especialidade, nasceu em 1948, no bairro do Comércio, e aprendeu ainda cedo a ajudar a mãe a fazer e vender feijoada, mocotó e sarapatel em um tabuleiro montado na Praça Cayru, em frente ao Elevador Lacerda.
Era de lá que Das Neves tirava o sustento da família e fidelizava uma clientela formada por estivadores, militares, políticos e todo tipo de gente que circulava pelas ruas do Centro Histórico.
“Nesse meio tempo, minha mãe também teve uma barraca no Mercado Modelo, onde vendia comida. Durante as festas populares, ela aumentava a quantidade para vender. Nos anos 80, ela se aposentou e passou o tabuleiro para mim e eu fiquei ajudando na comida e criando a família. Era na faixa de umas 20 a 22 pessoas, sobrinho, afilhado… Morávamos todos aqui, no Centro Histórico e no Comércio”, recorda.
Entre as responsabilidades de líder familiar e os dias de labuta no tabuleiro, Alaíde foi conquistando uma clientela cada vez mais vasta, entre famosos e anônimos, especialmente jornalistas, sambistas e integrantes dos blocos afro de Salvador. Com a revitalização do Centro Histórico, nos anos 90, conseguiu, com a articulação de amigos, deixar o tabuleiro e mudar-se para o Pelourinho, onde abriu um espaço para vender seus quitutes.
“Primeiro, eu fui para um espaço que tinha 33m² e depois me mudei para um maior, perto da igreja”, explica, referindo-se à Ladeira da Ordem Terceira do São Francisco, onde o restaurante funcionou até 2015.
Hoje, Alaíde vende suas iguarias e recebe os clientes na Rua das Laranjeiras, número 26, em um casarão cedido pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC).
Desde o tabuleiro até o endereço atual, foi construída em torno de Alaíde uma rede de pessoas ligadas à cultura e ao Movimento Negro de Salvador. Dentro do restaurante, entre um prato de feijão e outro, nasceram blocos de samba como o Alerta Geral, fundado por Nelson Rufino, e foram germinados tantos outros. Entre os clientes mais fiéis, estão Antônio Carlos dos Santos, o Vovô do Ilê, e João Jorge, presidente do Olodum.
“Aqui é muito frequentado pelo pessoal da cultura. Gente de bloco, sambista, compositor, jornalista, pessoas que vêm de fora procurando fazer um intercâmbio. Sempre gostei muito de festa, minha mãe também gostava muito de carnaval, de São João, bloco de samba. Também fazíamos as festas da gente”, conta Alaíde, que realiza, anualmente, a “Quitanda do Saber”, evento que mistura música e culinária afro-brasileira, reunindo amigos, clientes e turistas.
Nas mesas espalhadas pelo salão, cabem, em média, 30 pessoas. As paredes são decoradas por diversas homenagens, fotos, lembranças e prêmios recebidos por uma das quituteiras mais famosas da Bahia. As mulheres da família ajudam a matriarca a tomar conta do restaurante e da cozinha. Mesmo com a idade avançada, Alaíde faz questão de marcar presença diariamente.
“Hoje eu estou idosa, cansada. Chego mais tarde e as meninas adiantam as coisas. Ainda boto a mão na massa também, mas eu gosto mesmo é de comprar, vou à feira quase sempre. Quem trabalha com comida todo dia tem coisa pra comprar”, afirma. Quando questionada sobre a possibilidade de se aposentar, não hesita. “Para que? Para ficar em casa dormindo? Eu não”, completa abrindo um sorriso.
Sentada em uma das mesas, perto da janela que dá para o movimento diário do Pelourinho, Alaíde recebe quem chega, com uma voz mansa e baixinha, carregada de carinho e simpatia. Ainda que a fama do feijão corra mundo e seja difícil dissociá-lo da figura daquela que tornou-se uma das guardiãs do Centro Histórico, aqueles que frequentam o salão de delícias fazem questão mesmo é de receber o seu abraço.
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